terça-feira, 10 de agosto de 2010

O que há para comemorar neste Dia Internacional dos Povos Indígenas?

Mudanças políticas não são efetivas
Alcida Rita Ramos

O que há para comemorar neste Dia Internacional dos Povos Indígenas? O que têm a
dizer as 370 milhões de pessoas ao redor do mundo que se auto-identificam como
indígenas? O que dirão, por exemplo, os Guarani Kaiowá de Dourados, Mato Grosso
do Sul, ao se verem confinados em irrisórios retalhos de sua antiga terra
indígena, contaminados com agrotóxicos disseminados pelos plantadores de soja,
abandonados pelo governo federal, assistindo impotentes ao suicídio de seus
jovens?

Depois de cinco séculos de conquista europeia, continuamos a ver a sua face
perversa exposta na má vontade da esmagadora maioria dos Estados-nações para com
os povos autóctones submetidos ao seu controle. Constatamos uma rara unanimidade
mundial: os povos indígenas seguem sendo o segmento mais pobre das nações.
Países sul-americanos, como o Brasil, a Colômbia, a Venezuela, o Equador, a
Bolívia, cederam à força das demandas políticas indà genas e inscreveram em suas
novas constituições direitos inéditos concedidos aos originais donos do
continente.

No entanto, muitos dos ganhos constitucionais não passam de efeitos de papel,
sem a regulamentação necessária para que se tornem instrumentos eficazes. Em não
poucos casos, trata-se de mudar para não mudar, mantendo-se basicamente intacta
a arraigada estrutura de desigualdade étnica. Os grandes vilões dos tempos
atuais são os projetos de desenvolvimento que deslumbram os Estados,
especialmente aqueles em franca ascensão econômica. Hidrelétricas, rodovias e
agroindústria nunca combinaram com direitos indígenas e continuam sendo a grande
ameaça à integridade social e física dos povos aborígines, como bem sabem os
Guarani de Dourados.

Então, não há nada a comemorar neste dia? Há. Podemos celebrar a força e
determinação dos povos indígenas de todo mundo que, contra tudo e contra todos,
continuam vivos e atuantes na arena política local e global. No Brasil, podemos
aplaudir as iniciativas que estão levando cada vez mais indígenas às
universidades, transformando sua anunciada "incapacidade civil" em sofisticação
interétnica, capacitando-os para fortalecer suas tradições através da aquisição
de conhecimentos de várias ordens. Quanto mais estudam, mais fortes ficam suas
convicções culturais e étnicas. Conhecimento acadêmico transforma-se então em
fortalecimento cultural e político.

Isso é especialmente evidente nos foros internacionais, como a Organização das
Nações Unidas (ONU), pois graças ao protagonismo indígena mundial, hoje temos
valiosos instrumentos de defesa indígena contra os abusos dos Estados-nações,
como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a
Declaração de Direitos Indígenas, aprovada pela Assembleia Geral da ONU a 13 de
setembro de 2007. Representantes indígenas do Brasil participaram do processo
que culminou na aprovação desse importante documento.

No entanto, como dizem os próprios índios, "o importante agora é pensar na
implementação dos nossos direitos ali reconhecidos, em como torná-los realidade
para nossos povos que vivem nas aldeias" . Que o respeito pelos índios
demonstrado na ONU contamine a nação brasileira e atinja a todos com o desejo de
alcançar a tão almejada justiça étnica.

Alcida Rita Ramos é Professora Titular Emérita da Universidade de Brasília e
pesquisadora 1-A do CNPq. Obteve seu diploma de graduação em geografia pela
Universidade Federal Fluminense, de mestrado em An
tropologia na University of
Wisconsin, Madison e de doutorado em Antropologia na mesma universidade. Suas
áreas de estudo são as sociedades indígenas, em especial, Yanomami, e atualmente
desenvolve pesquisas sobre indigenismo comparado na América do Sul, focalizando
o Brasil, a Argentina e a Colômbia.

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